O primeiro passo para a construção coletiva de uma rede de apoio às mulheres em situação de violência foi dado em Flores da Cunha. Na quarta-feira (25) representantes do Judiciário, Ministério Público, Brigada Miliar, Guarda Municipal, Prefeitura, Conselho Tutelar, área da saúde e lideranças de projetos sociais se reuniram na Câmara de Vereadores.
A presidente da Casa Legislativa, vereadora Silvana De Carli, que está à frente da Procuradoria da Mulher, liderou os convites. O objetivo é de unir forças, integrar atendimentos e garantir que nenhuma mulher fique sozinha quando mais precisar.
— Trabalharmos em rede para protegermos as mulheres e combater a violência doméstica com foco em informar sobre os direitos. Combater a violência contra as mulheres exige ações integradas — afirmou.
Durante o encontro, o juiz Daniel da Silva Luz apontou a dimensão do desafio, sinalizando que atualmente há mais de 600 processos de medida protetiva tramitando. Entre os processos criminais, mais de 30% envolvem violência doméstica.
— Não tenho a pretensão de conseguir mudar essa situação. Em condenação criminal, não conseguimos educar. Tanto que temos as reincidências. Quando verificamos, eles estão com a terceira mulher, e esta terceira mulher (está) pedindo medida protetiva — contextualiza.
Reincidência que também é criticada pelo promotor Stéfano Lobato Kaltbach.
— É uma covardia do homem se prevalecer da sua masculinidade, em via de regra demonstrada pela força física, enquanto uma mulher que, às vezes indefesa, dependente economicamente e emocionalmente do marido, cuidando dos filhos. Às vezes, o marido é desempregado e é a mulher que, pelo trabalho dela, sustenta a casa. Temos que ter essa consciência e, com o tempo, vamos mudar sim — considera.
Leia Mais
O promotor ainda sugere que o projeto Acolhe , em parceria com o Instituto Avon, poderia incluir meninas que também são vítimas. Ele entende que há uma brecha no sistema que prejudica o apoio.
— É possível colocar também neste projeto crianças e adolescentes? Há uma zona gris (cinza em inglês) que se confunde quando a violência é praticada contra uma criança ou adolescente, mas é mulher no âmbito doméstico. Se aplica a Lei Maria da Penha? Se não for hipótese desse projeto acolher a criança, seria um momento para abrir esse diálogo para saber se dá para incluir também nessas situações — questiona o promotor.
A iniciativa seguirá com novos encontros que visam consolidar o grupo no município.
Os bons exemplos
O juiz Daniel Luz relata que é comum ver em outras cidades a implantação de grupos de reflexão de gênero, que trabalham diretamente com a reeducação do agressor. Um dos exemplos citados é o projeto Hora (Homens: Orientação, Reflexão e Atendimento), do Juizado da Violência Doméstica de Caxias do Sul. A proposta visa orientar os homens autores de violência doméstica por meio de grupos focados na reflexão e prevenção de reincidência, que são obrigatórios.

“Há, sim, uma diferença que vemos”, afirma capitão Jean Pedro Horszczaruk sobre homens que participam de grupos de reflexão. (Foto: Paola Castro)
No Fórum de Farroupilha, o projeto Ressignificar também se enquadra nos padrões de grupos reflexivos. O capitão Jean Pedro Horszczaruk, que responde pela Brigada Militar em Flores da Cunha, apontou que cerca de 20% dos agressores que participaram do projeto em 2023 e 2024 não reincindiram.
— Eles conversam com o outro e, muitas vezes, os caras abrem o coração mesmo. Falam “minha mulher me traiu, por isso que eu fiz”, outros dizem “meu pai fazia assim com a minha mãe” ou “mas foi só aquela vez, ela que me bateu”. E tem outros que ficam a reunião inteira assim (de braços cruzados) e dão risada, debocham. Estão ali porque são obrigados e não estão tentando se integrar. Mas há, sim, uma diferença que vemos — opina o capitão.

“Elas têm talvez uma maior capacidade de tomar uma decisão ali na audiência”, considera o promotor Stéfano Lobato Kaltbach a respeito das mulheres que são instruídas pelo grupo das Marias.
Ainda seguindo o exemplo da Capital Nacional do Kiwi, o promotor Kaltbach e o capitão Jean Pedro, que vivenciam a rotina farroupilhense e florense citam o grupo das Marias, que reúne diversas advogadas voluntárias para orientarem as vítimas a respeito de seus direitos civis.
— Quando as mulheres que são vítimas de alguma espécie de violência, elas chegam à audiência já mais ou menos sabendo o que têm. O que eu achei muito interessante. Porque elas vêm melhor instruídas, elas têm talvez uma maior capacidade de tomar uma decisão ali na audiência. E talvez seja mais assertiva a decisão que elas tomam — cita o promotor.
Outro exemplo apontado como positivo é o Me Respeita, que iniciou como projeto social e virou lei em Farroupilha.
— Eles deixam selos de níveis de risco em estabelecimentos comerciais para que se uma mulher tiver sofrendo agressão e o único lugar que o marido deixou ela ir é na loja e ele (por exemplo) está lá no carro enquanto ela está comprando, a mulher pega o folder e só aponta — explica o brigadiano sobre a dinâmica utilizada para relatar algum tipo de violência em casos nos quais as mulheres não podem ir até um local para denunciar.