Falta de rampas e elevadores em locais públicos e privados e estruturas desniveladas são as principais queixas de PCDs
Mesmo um município que é referência em qualidade de vida, como Flores da Cunha, apresenta dificuldades em garantir acessibilidade. Tanto que a Defensoria Pública agendou uma reunião com a prefeitura, para janeiro de 2025, para definir ações condizentes com a legislação e capazes de garantir um convívio igualitário. As principais queixas relatam a ausência de rampas e elevadores em locais públicos e privados, além de estruturas desniveladas, inclusive na área central da cidade. Também há relatos de que lojas e prédios antigos mantêm modelos excludentes, com degraus como único acesso, além de transportes não acessíveis e vagas de trânsito em lugares inadequados.
Um dos porta-vozes que clama por um município igualitário para as pessoas com deficiência é o ex-vereador José Catafesta, que sofre de distrofia muscular, é cadeirante e luta pela acessibilidade desde a década de 1990. Recentemente, ele promoveu uma pesquisa sobre as vias públicas florenses. O relatório aponta que, em maioria, as rampas não seguem a Norma Brasileira 9050 (NBR 9050), da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT).
A NBR 9050 estabelece as condições mínimas para acessibilidade e mobilidade de pessoas com deficiência ou mobilidade reduzida em edificações, mobiliário urbano e espaços de uso coletivo, com o objetivo de garantir a inclusão social dessas pessoas.
— (Fiz esse balanço) porque queria apresentar ao defensor público (Juliano Viali dos Santos), já que o prefeito (César Ulian) não resolvia. Contratei um especialista e, durante quatro sábados à tarde, verificamos todos os gargalos. Um exemplo é na Praça do Imigrante, em frente ao Hospital Fátima. As rampas para cadeirantes lá são muito malfeitas, desniveladas, com altura e medidas irregulares — relata.
A análise aponta problemas em ruas e praças centrais da cidade. Muitas vias não possuem rampas de acessibilidade. E as que possuem, em maioria, precisam de uma reforma, pois sua situação irregular dificulta o deslocamento de cadeirantes.
São listadas rampas na Praça do Imigrante, trechos da Avenida 25 de Julho com a John Kennedy (na esquina da Loja Ponto Certo) e a Rua Ernesto Alves com a Frei Eugênio (na esquina da pizzaria Mama Marguerita). Além disso, há um pedido para a implementação de vaga para PCD em frente ao CFC Florense, no sentido paralelo.
— Comecei essa pesquisa no ano passado, mas concluí em janeiro e entreguei ao defensor público. Depois, ele teve uma audiência por videoconferência no dia 8 de fevereiro e disse que tomaria providências. Mandou um ofício ao Executivo, que repassou para o setor de planejamento, mas não aconteceu nada. Entre fevereiro e março, a questão estava nas mãos do setor de Planejamento. Estamos quase no final do ano e nada foi feito, nem por parte do Executivo e nem por parte do defensor público — reclama Catafesta.
O relato do ex-vereador é corroborado pelo paratleta Yuri de Moraes, 24 anos. Ele sofreu um acidente de trabalho, em 2019, que o deixou paraplégico e com a necessidade da cadeira de rodas para se locomover.
— Flores da Cunha tem alguns pontos acessíveis, mas ainda há muito a melhorar. Muitas calçadas, no centro, ao passar, é possível perceber que há vários pontos sem acessibilidade. Se você (como cadeirante) estiver sozinho, não consegue passar ou precisa ir pela rua ou pedir ajuda para alguém para subir a calçada. Tem um desses pontos, ali para cima do Sulla (Rua Dr. Montaury, entre a loja Encanto Utilidades e Agafarma), onde eu frequento. A maior parte das calçadas ali não tem acessibilidade. Não tem nenhum local com rampa — aponta.
Volnei Oliveira, 50, relata a dificuldade de frequentar o comércio, restaurantes e até supermercados, pois muitos apresentam modelos arquitetônicos excludentes.
— Em Flores, os estabelecimentos comerciais antigos têm degraus. Um cadeirante sozinho não tem como acessar. Esse é um problema recorrente na cidade — destaca Volnei.
Catafesta também acrescenta edifícios e consultórios médicos, nesta lista:
— Existem consultórios médicos que não têm elevador, tem que subir pelas escadas. São estabelecimentos privados? Sim, mas tem que ter acesso para deficiente físico e a maioria não tem — reclama.
— Se formos para os bairros, vai ter muito mais (pontos sem acessibilidade). Mas, na região central, que acredito ser o principal para ter a acessibilidade, a situação é bem fraca — acrescenta Yuri.
O defensor público Juliano Viali dos Santos sustenta que a demanda apresentada envolve mais questões relacionadas às políticas públicas:
— Como comentado com o Sr. Catafesta, a demanda trazida envolve mais questão de políticas públicas em prol das pessoas com deficiência do que atuação judicial ou extrajudicial, que são mais pontuais. Nesse sentido, a Defensoria Pública pretende atuar em questões pontuais, dos quais não houve nenhuma providência do Executivo.
— Com isso, já existe agendamento de atendimento com o Sr. Catafesta, sendo que, após, mas ainda em janeiro, irei me reunir com o prefeito reeleito para verificar os pontos que poderão existir acordo para a resolução da demanda e garantir os direitos das pessoas com deficiência — resume.
O que diz a prefeitura:
Procurada pela reportagem, a secretária de Planejamento, Urbanismo e Meio Ambiente, Rosiane Machado Pradella afirma que a prefeitura está engajada para tornar o município mais acessível.
— Sabemos da importância da acessibilidade e trabalhamos para garantir que as normas sejam respeitadas e aplicadas. É importante destacar que a responsabilidade pela construção e manutenção dos passeios públicos é dos proprietários dos lotes, conforme previsto em legislação municipal. A prefeitura tem o papel de aprovar e fiscalizar as calçadas no momento da construção das edificações, assegurando que estejam em conformidade com as normas de acessibilidade vigentes — aponta.
Para incentivar a construção de passeios adequados, a prefeitura disponibiliza serviços de preparação da cancha e fornecimento de pó de brita para calçadas em áreas públicas. Esses serviços podem ser solicitados diretamente pelo WhatsApp da Secretaria de Obras no número (54) 99660-9937.
— Seguimos comprometidos em avançar na acessibilidade e contamos com a colaboração da comunidade para tornar Flores da Cunha um município cada vez mais inclusivo — salienta a secretária Rosiane.
O que a Legislação prevê?
A Lei 13.146/2015, conhecida como Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência, garante o direito à acessibilidade em todos os espaços públicos e privados. O município deve seguir as normas federais, mas também pode adotar regulamentos locais mais rigorosos quando necessário.
A Lei Municipal 3.732, de 2023, por exemplo, regula o serviço de táxi e transporte individual e inclui exigências de acessibilidade nos veículos.
A NBR 9050 é a norma federal, da ABNT, que estabelece critérios e orientações técnicas para garantir a acessibilidade em edificações, mobiliários, espaços e equipamentos urbanos. Entre outros aspectos, é determinado que a inclinação máxima permitida para rampas é de 8,33% e a largura mínima recomendada é de 1,20m.
Contudo, não é preciso ser um especialista para verificar a falta de acessibilidade em Flores da Cunha. Seguindo o relato dos cadeirantes ouvidos nesta reportagem, o jornal O Florense fez um rápido levantamento nas principais vias da área central e registrou os problemas listados abaixo:
Problemas nas rampas:
Avenida 25 de Julho com a John Kennedy: Não há rampa de acessibilidade na esquina da loja Ponto Certo. Na esquina da Farmácia São João, há de nível irregular, aparentemente um meio-fio que cedeu.
Rua Ernesto Alves com a Rua Frei Eugênio: Na esquina da pizzaria Mama Margherita: Falta rampa.
Praça do Imigrante: em frente ao Hospital Fátima, as rampas são desniveladas e estão visivelmente danificadas.
Rua Dr. Montaury: não há rampas na esquina da farmácia Agafarma.
Rua Raimundo Montanari: na esquina da loja Encanto de Utilidades, não há rampa, apenas a presença de boca de lobo. Também não há rampas na outra esquina, em frente à loja Mundo do Celular.
Praça Nova Trento (Praça da Corsan): A rampa (foto) está irregular e sua inclinação dificulta quem pretende subir com cadeira de rodas.
Rua Frei Eugênio: Não há rampa na esquina com a Rua Maria Dal Conte.