— Que milagre encontrarmos um tempo para sairmos juntos.
— Pois é, anos atrás a gente se reunia tantas vezes e agora parece que falta tempo.
Esse é o diálogo entre o meu pai e o meu tio, há alguns dias, quando resolvemos jantar em família, de última hora. Mas poderia ser a conversa de qualquer família que também percebe a dificuldade de encontrar um espacinho na agenda até para curtir quem a gente ama.
Será que o tempo está passando mais rápido? Os dias ficaram mais curtos? As nossas prioridades mudaram? Ou estamos mais apressados? Talvez seja um pouco de tudo.
Piscamos e já é quase fim de ano de novo. Só fomos rasgando as folhas do calendário para dar conta do outro mês que recém começou. Mal iniciou a segunda-feira e já estamos esperando pela sexta. Estamos sempre pensando no que iremos fazer depois de terminar o que estamos fazendo agora. E tem sempre uma lista enorme de pendências. O resultado não poderia ser diferente: pessoas cada vez mais ansiosas e apressadas.
Aceleramos os áudios do WhatsApp. Pulamos as aberturas das séries e dos filmes. Aceitamos os termos e condições de qualquer coisa sem nem ler o início. Procuramos otimizar o tempo para gastá-lo com outras distrações.
— Como está a vida? — perguntam.
— Numa correria absurda! Não sei nem o que fazer primeiro — respondemos já com tanta naturalidade.
E sem perceber, nos tornamos cada vez mais robotizados, sem olhar para o lado. Esquecemos de apreciar as entrelinhas do cotidiano. De tanta preocupação com o amanhã deixamos de aproveitar o agora. A rotina cansativa nos impede de notar as singelezas do caminho. A pressa nos dificulta enxergar o que está ali do nosso lado: os pássaros cantando, as folhas das árvores balançando, as flores nascendo… Enquanto esperamos momentos extraordinários para contemplar, a vida passa.
Assim como correr já se tornou comum, precisamos normalizar o ato de desacelerar, de diminuir a velocidade, de colocar o pé no freio, de se dar ao luxo de cuidar de si próprio e relaxar. Sem culpa e sem aquela cobrança de que deveríamos estar produzindo durante todo dia e a toda hora, sem parar.
O meu dilema é viver sem pressa, mas com rumo. É muito melhor ir, de pouco a pouco, e não se perder da sua rota do que acelerar em alta velocidade e não chegar a lugar nenhum. Só quando pausamos é que percebemos a beleza da paisagem e os detalhes que nos cercam. Apenas quando nos permitimos colocar o pé no freio, reconhecemos os milagres do dia a dia e quantas pessoas especiais temos ao nosso lado. Atenção para a placa no percurso: não é proibido colocar o pé no freio sempre que precisar.
A coluna Palavra Viva, do jornal O Florense, é um espaço para a produção literária e o incentivo a leitura que conta com contribuições de Gustavo Tamagno Martins, Maria de Lurdes Rech, Neusa Fante e o Instituto Flávio Luis Ferrarini.