Os boletos chegaram de surpresa para muitos agricultores de Flores da Cunha e Nova Pádua. Com o atraso do Governo Federal no repasse do Programa de Subvenção ao Seguro Rural (PSR) — responsável por custear 40% do valor do seguro agrícola —, restou às seguradoras enviar aos produtores a cobrança da parte que seria bancada pela União.
O corretor de seguros Marcos Menegolla explica que o problema começou porque o governo, responsável por pagar sua parte às seguradoras, o que geralmente ocorre entre outubro e dezembro, ainda não efetuou este repasse e não tem uma previsão.
— O seguro costuma ser feito entre março e maio. Na hora de fazer, o agricultor paga os 60% dele, e o governo fica de pagar os outros 40% mais tarde. Só que este ano o governo não pagou, literalmente deu o calote. A seguradora adiou até onde pôde e, quando não teve mais jeito, mandou os boletos destes 40% para os agricultores — relata Menegolla.
A situação gera desgaste emocional e confusão entre os produtores rurais. Muitos acreditam que o problema estaria nas seguradoras ou nos corretores, o que Menegolla nega e busca esclarecer a cada conversa com seus clientes.
— A pressão está toda em cima de nós, corretores. Tem agricultor que entende, mas tem outros que acham que a culpa é nossa. Isso está nos dando um desgaste emocional que beira o insuportável. E não é culpa do agricultor, é a falta de informação. Precisa ser melhor esclarecido o que está acontecendo — desabafa Menegolla.
No acordo do Programa de Subvenção não há um prazo estipulando o pagamento dos 40% pelo governo. Contudo, o repasse nunca havia demorado tanto e deixado esta incerteza sobre o pagamento. Diante da proximidade do final do ano, as seguradoras começaram a tomar decisões e enviar as cobranças aos agricultores — o que tornou o impasse público.
Nas últimas semanas, o Sindicato dos Trabalhadores Agricultores Familiares (STR) de Flores da Cunha e Nova Pádua recebe, diariamente, mais de uma dezena de ligações sobre agricultores preocupados, revoltados e que cobram explicações. O presidente Ricardo Pagno confirma que a situação atinge praticamente todos os produtores da região.
— A gente estima que entre 85% e 90% dos agricultores daqui não foram contemplados, porque a maioria contrata o seguro após a safra, justamente os meses que ficaram de fora dos repasses — aponta.
Pagno explica que o impasse começou quando o governo contingenciou parte do orçamento do PSR, desviando cerca de R$ 350 milhões do R$ 1 bilhão originalmente previsto para o programa.
— Foi do nada, o governo contingenciou essa verba e agora faltam cerca de R$ 350 milhões para cobrir as apólices contratadas, principalmente as de frutas, culturas como uva, pêssego, ameixa, maçã, alho e cebola, todas estas que são muito fortes aqui na nossa região — detalha.
Na semana passada, Pagno esteve em Brasília e participou de encontros no Ministério da Agricultora — sem respostas satisfatórias. O presidente afirma que “está sendo feita uma pressão enorme” pelas entidades do setor e semana que vem haverá uma nova comitiva, liderada pela Fetag, que irá “direto ao Ministério da Fazenda” em busca de respostas.
Menegolla, porém, cobra um movimento maior:
— É muito silêncio. Todos precisam se unir e explicar o que está acontecendo ao agricultor: a culpa é única e exclusivamente do governo. Se der um granizo amanhã, a seguradora vai honrar e o agricultor irá receber a cobertura da apólice. Mas quem está pagando apólice para a seguradora? — declara.
Silêncio federal gera incertezas
A última manifestação pública do Ministério da Agricultura ocorreu em 14 de outubro, quando o secretário-adjunto de Política Agrícola, Wilson Vaz de Araújo, afirmou esperar a liberação da verba do PSR até o fim do mês — o que não ocorreu. São R$ 354,6 milhões do orçamento de 2025 que seguem travados.
O seguro rural teve orçamento aprovado de R$ 1,06 bilhão para 2025. Desse valor, o Ministério da Agricultura usou R$ 67 milhões para quitar apólices de 2024. Apenas uma parte da verba deste ano foi efetivamente empenhada (R$ 179 milhões) e repassada às seguradoras, que seguem reclamando do atraso no pagamento da subvenção.
A situação orçamentária, porém, pode atrasar ainda mais o processo. Sem a aprovação da Medida Provisória 1.303/2025, onde o Governo Federal buscava um aumento na arrecadação federal a partir de 2026 e abrir espaço para redução de despesas já neste ano, o governo ficou sem margem fiscal e pode ter de fazer novos cortes ainda em 2025.
O que o agricultor deve fazer?
Com a indefinição sobre o repasse federal, sindicatos e corretores orientam que os agricultores mantenham o seguro ativo para garantir a cobertura das lavouras durante o período de risco climático. O corretor Marcos Menegolla explica que houve um acordo com as seguradoras para facilitar o pagamento da parte que cabe ao produtor.
— A orientação é garantir a colheita da safra, ou seja, pagar a diferença e garantir que a cultura está protegida. Conseguimos, com pressão dos corretores, que a seguradora parcelasse o pagamento em duas vezes, com vencimentos em 24 de novembro e 24 de dezembro, para dar mais fôlego aos agricultores — explica.
Já o presidente do STR, Ricardo Pagno, reforça que a decisão é difícil, mas necessária para evitar a perda da cobertura.
— Infelizmente, se o agricultor quiser manter o bem segurado, ele precisa quitar esses 40%. Caso contrário, perde o seguro e também o que já pagou. As seguradoras se comprometeram a devolver o valor, caso o Governo Federal libere o recurso depois — aponta.
Enquanto aguardam uma resposta de Brasília, sindicatos e cooperativas prometem aumentar a pressão para o governo destravar os R$ 370 milhões que faltam para cumprir o acordo do programa com os agricultores.

