Aos 18 anos, após uma visita de rotina ao oftalmologista, o vendedor Pablo Debortoli, hoje com 25 anos, descobriu que além dos três graus de miopia e sete de astigmatismo tinha também a Ceratocone, uma doença hereditária que atinge pessoas entre 12 e 30 anos e provoca o afinamento e a deformação progressiva da córnea, levando à cegueira.
Como os problemas de visão decorriam desde a adolescência, a opção mais prática encontrada por ele foi o uso de lentes de contato. Todavia, passados alguns anos, o recurso não pôde mais ser utilizado devido às mudanças causadas pela doença na estrutura da córnea direita, que ficou mais fina e com um formato mais cônico. “Chegou um tempo que a lente não ficava mais no olho. Caía de cinco a seis vezes por dia”, lembra. Então, a saída foi buscar por um procedimento chamado Anel de Ferrara, que consiste no implante de dois microanéis de acrílico com o objetivo de esticar a córnea, retomando seu formato original.
A opção também foi em vão. Após três anos, Pablo desenvolveu uma infecção no olho direito, rejeitando os anéis. “Depois disso, minha visão ficou pior do que estava antes”, conta. Foi nesse momento que o médico indicou o transplante de córneas. No início, Pablo conta que ficou com receio, pois não conhecia ninguém que tivesse feito o procedimento para lhe dar uma referência. Mesmo assim, em janeiro de 2007, entrou para a fila de espera. “As pessoas me diziam que não daria certo. Que eu ficaria cego. Mas com certeza era por falta de informação”, acredita.
Passados seis meses Pablo recebeu uma ligação do Banco de Olhos de Caxias do Sul informando que a espera havia acabado e que havia uma córnea disponível. “Fiquei surpreso, não esperava, mas aceitei na hora. No dia seguinte já fiz o transplante”, conta ele.
Em junho deste ano fez dois anos que Pablo recebeu a córnea. “Minha rotina mudou bastante. A vida ficou bem melhor e hoje eu tenho 99% de visão do olho direito, que estava bem comprometido”, comemora.
Muitos aguardam na lista
Embora a história de Pablo tenha tido um final feliz, ele é uma exceção no Brasil e no Rio Grande do Sul. Para se ter uma idéia, de acordo com dados da Central de Notificação, Captação e Distribuição de Órgãos e Tecidos do Estado, 877 gaúchos aguardam na lista de espera para um transplante de córneas. No País, conforme o Ministério da Saúde, o número de pacientes na espera chega a 22.727 mil.
Em média, cada paciente aguarda de três a seis meses por uma doação. “A demora não é tanta, mas poderia ser menor ou nenhuma porque praticamente todas as pessoas são doadores em potencial”, destaca o enfermeiro coordenador do Banco de Olhos Lions Clube São Pelegrino do Hospital Pompéia de Caxias do Sul, Eduardo da Costa Dutra.
O enfermeiro apresenta dados: em 2007 foram registrados 584 óbitos no Hospital Pompéia. Desse total, foram realizadas apenas 96 doações de córneas, um percentual de 33,7%. Para ele, ainda falta informação para a população e também para as equipes de profissionais da saúde. “Temos que trabalhar a conscientização da população. Somente assim conseguiremos elevar o número de doações e transplantes”, argumenta Dutra. “Esse é um ato de amor para com o próximo”, completa.
Na tentativa de zerar a lista de espera e aumentar a abrangência do Banco de Olhos, em setembro de 2008 foi criado o ‘Projeto de Expansão do Programa Pompéia Córneas Rumo a Fila de Espera Zero’, que consiste em firmar parcerias com instituições da Serra Gaúcha, formando equipes de profissionais para realizar a captação e transplantes de córneas dentro de cada unidade.
Em pouco mais de um ano a ação já conta com quatro parceiros: São Marcos, Garibaldi, Flores da Cunha e Antônio Prado. Conforme o enfermeiro coordenador do BOHP, Eduardo da Costa Dutra, outras cidades já foram contatadas e uma resposta positiva está sendo esperada. “Nosso objetivo é angariar parceiros com a intenção de zerar a fila de espera”, especifica.
Em Flores, cinco captações em menos de um mês
No dia 23 de outubro de 2009, a direção do Hospital Beneficente Nossa Senhora de Fátima de Flores da Cunha firmou parceria com o Banco de Olhos do Hospital Pompéia. A equipe médica da instituição recebeu treinamento, ficando apta a realizar captações de córneas, bem como a abordagem aos familiares do doador. Passados 27 dias da assinatura, cinco captações já foram realizadas no município.
O diretor administrativo do Hospital, Alcides José Fontana, salienta que a equipe do Banco de Olhos de Flores tem feito um bom trabalho de abordagem das famílias, o que pode ser percebido no número de doações. Entretanto, acredita que muito ainda precisa ser feito. “Dos nove óbitos que tivemos no hospital nesse período, cinco foram doadores. As pessoas estão doando mais e estamos atingindo nosso objetivo”, afirma ele.
A equipe do Hospital Fátima também tem trabalhado na conscientização da população florense para a importância da doação de córneas. Durante os encontros realizados nas comunidades do interior do município, os profissionais aproveitam para abordar o assunto e esclarecer dúvidas da população. “Temos trabalhado no sentido de desmistificar o processo de doação. Esse é um procedimento simples e que pode dar um novo olhar a alguém”, considera Fontana.
O exemplo da família Dallemole
No dia 8 de novembro, a matriarca da família Dallemole, Amabile Testolin Dallemole, 71 anos, teve um infarto fulminante e deixou cinco filhos, cinco noras, sete netos e o esposo. Mesmo vivendo um momento de dor, os familiares decidiram fazer a doação das córneas de Amabile ao Banco de Olhos do Hospital Fátima. “No meio da tristeza a doação foi também um alívio, pois sabemos que alguém estará olhando por ela”, emociona-se a nora, Neiva Dallemole. “Ela era uma pessoa muito boa e gostava de ajudar as pessoas. Temos certeza que ela teria ficado feliz com a nossa atitude”, finaliza.
Na opinião de Neiva, a comunidade precisa de mais informação sobre a doação e os seus benefícios. Dessa forma, segundo ela, as pessoas não terão medo de doar. “Não levamos nada desse mundo, por isso precisamos ser menos egoístas, ser mais humanos. A doação é um ato de amor”, finaliza.
Desmistificando a doação
– O transplante de Córnea só é realizado a partir da doação da família.
– É importante ressaltar que a cirurgia não causa nenhum efeito estético indesejável no doador. Os tecidos oculares são retirados de acordo com técnica cirúrgica que não deixa vestígios. A doação não modifica a aparência do paciente.
– A família do doador não paga nada e tampouco recebe qualquer pagamento pela doação.
– Não existem nenhuma objeção religiosa com relação à doação. As diferentes religiões aprovam e consideram um ato humanitário.
Transplante de córnea
Consiste na remoção da estrutura total ou parcial da córnea receptora e a colocação do tecido doador.
Indicação
Óptica: objetivo principal de reestabelecer a visão. Ex. Baixa acuidade visual secundaria a opacidade corneana ou ceratocone;
Tectônica: função principal de preservar a estrutura corneana lesada após perda de tecido;
Terapêutica: substituição do tecido doente ( ex: infecções não responsivas a tratamento clínico) por tecido sadio;
Cosmética: razões estéticas ( ex: cicatriz corneana fora de eixo visual).
Tipos de Transplante de Córnea
Transplante Penetrante:
1. Simples: Retirada da córnea doadora e colocação da córnea receptora;
2. Combinado: Transplante de córnea e realização de extração de catarata.
Transplante Lamelar: É a retirada e colocação de uma determinada espessura da córnea.
Quem pode doar
– Qualquer pessoa entre 2 e 80 anos pode ser doadora de tecidos oculares, independente do uso de correção visual (óculos ou lentes de contato) ou de alguma possível doença ocular, como miopia, hipermetropia, astigmatismo e outros distúrbios visuais, como catarata, glaucoma;
– O doador não pode ter apresentado infecção generalizada;
– Pessoas sem Hepatite ou AIDS;
– Pessoas sem Leucemia ou Linfoma;
– Mesmo que a pessoas não tenha manifestado o desejo em vida, a família pode contatar o Banco de Olhos e fazer a doação.
Saiba mais
Banco de Olhos do Hospital Pompéia de Caxias do Sul
Telefone: (54) 3220-8023
Site: www.pompeia.org.br/bancodeolhos

