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Campo Santo dos Imigrantes preserva memória dos primeiros colonizadores no Travessão Martins

Tombado como patrimônio histórico, antigo cemitério guarda vestígios da fé, da cultura e das lutas que marcaram a chegada dos italianos a Flores da Cunha
(Foto: Klisman Oliveira)

Na tranquila paisagem do Travessão Martins, uma cerca de pedras delimita um espaço de silêncio e ancestralidade. O antigo cemitério da Capela São Martinho, agora chamado Campo Santo dos Imigrantes, é mais do que um lugar de descanso eterno, é um vestígio preservado da fé, da cultura e da história trazidas pelos primeiros colonizadores italianos que chegaram à região em 1875.

Com lápides datadas de 1890, o Campo Santo é o único cemitério na região que mantém todas as características originais das primeiras construções sepulcrais feitas pelos imigrantes. As covas subterrâneas, escavadas até sete palmos de profundidade por respeito à tradição religiosa, compartilham espaço com cruzes de ferro forjado artesanalmente, decoradas com arabescos que transformam cada túmulo em uma pequena obra de arte.

— A comunidade também desempenha um papel importante na preservação do espaço. O tombamento como patrimônio municipal e a inclusão nos atrativos turísticos reforçam a consciência coletiva sobre sua importância histórica e cultural — destaca Adriana Boeira Dotti, subsecretária de Cultura de Flores da Cunha.

O limbo e a arte dos ferreiros

Entre as singularidades do Campo Santo está o chamado limbo, uma área fora dos limites considerados “bentos” do terreno, onde eram sepultadas crianças que morriam sem batismo, indigentes e desconhecidos. A divisão física do espaço, comum na tradição católica da época, reflete uma visão de mundo marcada pela espiritualidade, mas também por normas rígidas de pertencimento à comunidade cristã.

Outra curiosidade histórica se encontra no fundo do cemitério, onde cruzes discretas marcam as covas de soldados mortos na Revolução de 1923. Estima-se que ao menos 40 homens foram enterrados ali, em sepultamentos discretos, após não terem sido aceitos pela comunidade vizinha de Alfredo Chaves, por divergências políticas.

O único monumento pertence a Domenico Caldart, um dos pioneiros da comunidade. Chegado ao Travessão Martins em 1883, ele representa a memória das famílias que deram início à ocupação da região. Seus descendentes adquiriram o terreno em 2016, com o intuito de preservar essa história.

Entre cruzes e capítulos esquecidos

O cemitério, desativado por volta de 1940, foi oficializado como patrimônio histórico-cultural de Flores da Cunha, em agosto de 2018. A reivindicação inciou quando a propriedade em que se localiza foi colocada à venda e o cemitério virou motivo de rejeição por possíveis compradores. Em determinado momento, a Justiça autorizou a retirada das cruzes e até dos restos mortais.

A reação comunitária foi imediata. Os moradores se uniram em um abaixo-assinado com mais de 300 assinaturas e procuraram a Câmara de Vereadores. O movimento culminou no tombamento oficial.
O reconhecimento veio junto com melhorias como ajardinamento, plantio de árvores e instalação de placas informativas. A entrega foi celebrada com missa e o cemitério virou espaço de reflexão e educação patrimonial.

— O cemitério é um ponto de visitação aberto ao público e conta com um recurso de áudio para visita autoguiada, disponível no site da prefeitura — lembra a subsecretária.

História viva

A manutenção do Campo Santo dos Imigrantes é garantida por diferentes frentes. A Secretaria de Cultura realiza roçadas e limpezas no local, e o espaço está sinalizado com informações que ajudam os visitantes a compreender a importância do cemitério.

— Anualmente, são promovidas visitas educativas com os estudantes do 4º ano das escolas municipais, contribuindo para a valorização do local desde cedo — complementa Adriana.

O Cemitério é reconhecido pela comunidade como símbolo da herança italiana e da resistência cultural. Muitas das cruzes originais, segundo relatos de antigos moradores, foram retiradas ao longo das décadas e transformadas em ferraduras, o que intensificou o esforço atual de conservação.

A luta pela preservação do cemitério é sobre respeitar as raízes, manter vivas as histórias que moldaram a identidade do lugar e do município para garantir que, mesmo diante do tempo, os vestígios da fé, do luto e do amor continuem contando o que não pode ser esquecido.

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