Um livro que esperou quase duas décadas para existir. Esse é o “Mulheres sem Voz”, da educadora e pesquisadora Fernanda Ferrarini, 47 anos, que será apresentado no dia 19 de maio, às 19h, durante uma simbólica roda de conversa que integra a Semana do Município de Flores da Cunha.
O momento antecede até o lançamento oficial do livro, uma homenagem digna ao público retratado na obra. Fernanda compartilha fragmentos de histórias que escutou de mulheres do interior de Flores da Cunha, casadas entre 1975 e 2000. Elas são o foco do livro. Mulheres de poucas palavras públicas, mas que em muitos momentos tiveram uma potente presença nos bastidores da vida familiar.
— O que mais temos no livro, que ouvi bastante, é a questão delas não terem a voz ativa. Elas tinham voz passiva, subjetiva, aqueles detalhes mais sutis, mas voz ativa mesmo só em exceções — explica.
É este silêncio estrutural que Fernanda denuncia e registra em sua obra. Um silêncio imposto por uma sociedade patriarcal, onde o padre, o pai, o “parón” (chefe da família) ditava regras e discursos. Onde a mulher, mesmo quando agia, não aparecia.
— Pode até ser que alguma situação familiar acabava indo para a comunidade, mas era pelo o homem. Sempre o homem e só coisas boas. As ruins ficavam guardadas em casa, o que não deu muito certo fica bem escondido. Podia até ter sido um projeto da mulher, podia ter sido uma ideia dela, mas… silêncio, né? O que me marcou foi essa voz ativa que elas não tinham — destaca.
Término da relação de dominação
Fernanda vê a obra como um ponto de partida. Deseja que as histórias contadas cheguem nas mãos e consciências de quem talvez viva, sem perceber, sob a mesma lógica opressiva.
— Espero que sirva para desvendar. Às vezes, as pessoas vivem nisso, mas não têm noção do que estão passando. É igual às mulheres agredidas, por exemplo, que só vão conversando com o parceiro. Parece que é normal, não se dão conta. Claro, algumas pessoas vão ficar desconfortáveis, mas espero que isso desvencilhe essas relações de poder tão rígidas, que vêm com o tempo melhorando sutilmente. Que isso termine — afirma.
“Mulheres sem Voz” é um livro sobre a escuta atenta. É o desejo de que se encerrem as relações de submissão e dominação, sem revanche, mas com igualdade.
— O grande objetivo é que as mulheres não sejam submissas simplesmente porque há alguém maior, com mais força. Ninguém tem o direito de submeter o outro. Não precisa dizer que agora a mulher vai dominar o homem. É o término dessa relação de poder e de dominação. (Independente) do sexo, que seja igualitário, se você faz parte de um casal, se tem uma família, que as decisões sejam compartilhadas. Todo mundo tem o direito de opinião — almeja a autora, que se refere ao livro, ainda sem data prevista para o lançamento, como seu “primogênito”.
Um ato de resgate
Para a autora, que é parente do célebre escritor Flávio Luis Ferrarini, que dá nome à Casa de Cultura municipal, “Mulheres sem Voz” é um ato de resgate histórico, que chama ao debate sobre a posição feminina em um contexto social.
A pesquisa, iniciada em 2006 e finalizada em 2008 para o Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) da especialização de Fernanda em História, Cultura e Região pela Universidade de Caxias do Sul (UCS), estava à espera do seu tempo certo.
— Em vários momentos pensei naquela publicação através do recurso (Lei de Incentivo à Cultura) da prefeitura. Ele ficou engavetado. Tudo no seu momento certo, estava esperando os 150 anos da imigração — considera.
O livro, viabilizado por financiamento do Rotary e publicado pela editora Educs, terá uma tiragem inicial de 500 exemplares, que serão distribuídos gratuitamente em escolas, bibliotecas e centros culturais. A ideia é provocar reflexão, gerar projetos e fazer o conhecimento circular. A autora reforça que o livro não tem fins lucrativos.
A voz, que agora finalmente se imprime em papel, terá seu primeiro momento na Semana do Município em um espaço simbólico: o do diálogo. A autora quer reunir o público e pessoas que se envolveram na produção do livro, como a historiadora Lorete Calza Paludo, incentivadora da publicação e parceira nas primeiras apresentações da pesquisa.
— A Lorete é uma amiga que falou sobre o projeto (ao Rotary). Ela também tinha o desejo de que esse trabalho fosse publicado. Foi uma incentivadora, junto com o pessoal que me ajudou na pesquisa e outros amigos — agradece.
Confira a programação completa da Semana do Município aqui.