Flores da Cunha vive um momento de expansão econômica, com crescimento nos setores industrial e de serviços, mas enfrenta um desafio crescente: a dificuldade das empresas em preencher vagas qualificadas. Apesar da criação de novos postos de trabalho e do aumento da escolaridade, muitas funções permanecem sem profissionais disponíveis, refletindo não apenas questões técnicas, mas também sociais e comportamentais.
O economista e professor Mosar Leandro Ness, cita que a forma como as novas gerações se relacionam com o trabalho muda a dinâmica das empresas e exige estratégias diferenciadas de gestão e formação profissional.
— Nós temos que considerar um choque cultural: a geração Z que está entrando no mercado de trabalho é uma geração com outra perspectiva de vida, que não se adapta ou não deseja trabalhar como empregado — afirma.
Apesar do aumento da escolaridade, ainda existem barreiras estruturais que dificultam o acesso efetivo a oportunidades qualificadas. Assim, mesmo com diplomas, muitos jovens enfrentam desafios para ingressar no mercado de trabalho formal.
— Para a geração Z, trabalhar em uma empresa tradicional seria uma “falência moral”. Eles não aceitam esse modelo. Hoje temos uma menor oferta de mão de obra qualificada e também menor disposição para atuar em empregos formais. Além disso, um número crescente de trabalhadores em idade ativa opta por receber benefícios do governo, o que tem turvado o mercado de trabalho e reduzido a disponibilidade de profissionais para as empresas que precisam de mão de obra — analisa Ness.
A doutora em Ciências Sociais pela PUCRS, Taiane Bringhenti, entende que as mudanças no mercado de trabalho e nas relações profissionais têm gerado incerteza para a geração Z, afetando suas expectativas de carreira e estabilidade.
— A geração Z percebe que o cenário educacional oferece poucas possibilidades reais de segurança e ascensão, mesmo investindo na formação. A precarização do trabalho, a flexibilização dos vínculos e a volatilidade das ocupações reforçam a sensação de incerteza, frustrando expectativas de meritocracia educacional — considera Taiane.
A dificuldade das empresas em encontrar trabalhadores qualificados, não se explica apenas pelo perfil da nova geração no mercado de trabalho. A cientista social salienta a questão das desigualdades estruturais no acesso à educação:
— Nas últimas décadas, o Brasil passou por um importante processo de expansão educacional, com ampliação das vagas e da infraestrutura escolar em todos os níveis. Esse avanço democratizou o acesso à educação, mas a ampliação do acesso não significa necessariamente redução das desigualdades sociais. O sistema educacional tende a reproduzir hierarquias preexistentes, deslocando-as para níveis mais altos de escolarização. A distribuição de oportunidades educacionais não é aleatória, pois considera características sociais e econômicas que marcam quem chega e quem não chega ao topo — observa.
Estímulo ou acomodação?
O conjunto de fatores econômicos, culturais e educacionais mostra que a dificuldade em preencher vagas qualificados não é apenas pontual, mas resultado de tendências estruturantes que afetam o mercado de trabalho. Embora a ampliação da escolaridade seja essencial, muitos jovens ainda enfrentam barreiras para concluir o Ensino Médio, muitas vezes por precisarem contribuir com a renda familiar.
Nesse sentido, políticas sociais atuam como instrumentos para reduzir desigualdades e buscam oferecer condições de permanência na escola. Quando bem implementados, os programas podem ter efeito concreto na permanência dos alunos; quando insuficientes, seus resultados ficam limitados, especialmente diante de um contexto que restringe a mobilidade social.
— O Programa Pé-de-Meia tenta enfrentar um dos principais fatores de evasão escolar entre jovens de classes populares: a necessidade de contribuir com a renda familiar. Ao oferecer incentivos financeiros para a permanência na escola, o programa busca criar condições de permanência e conclusão do Ensino Médio. No entanto, a tensão persiste: essas políticas são fundamentais, mas operam dentro de um contexto estrutural de desigualdade que limita a mobilidade social efetiva. A escolarização se tornou condição necessária, mas não suficiente, para inserção qualificada no mercado de trabalho — avalia a cientista social Taiane Brighenti.
Enquanto há avaliações de que programas como o Pé-de-Meia representam um avanço importante, também existem análises que questionam sua real eficácia em estimular a formação e a inserção profissional dos jovens.
— O Pé-de-Meia tenta estimular, mas na verdade não estimula nada. Quando você cria em grande escala benefícios para que a pessoa execute aquilo que já é sua responsabilidade, esse descompasso substitui a oferta de jovens em idade de trabalhar — critica o economista Leandro Ness.
A questão educacional e a capacitação profissional aparecem como fundamentais para que municípios como Flores da Cunha consigam manter um mercado de trabalho competitivo e dinâmico.
— O trabalhador busca preservar duas coisas dentro das organizações: qualidade de vida e condições de empregabilidade. Um município pequeno só perde trabalhadores quando não propicia essas condições. Hoje, a maior parte dos municípios consegue prover ofertas grandes de serviço para trabalhadores. A grosso modo, a oferta de trabalho para funções que não exigem alta qualificação é oferecida por municípios menores, enquanto os mais qualificados ainda enfrentam escassez— pondera o economista.
Mulheres mais escolarizadas, mas com menos oportunidades
Mesmo com avanços nas taxas de escolarização, as mulheres ainda enfrentam barreiras na inserção e ascensão profissional. A coordenadora do Observatório do Trabalho de Caxias do Sul, Lodonha Soares, destaca que a desigualdade de gênero persiste mesmo entre profissionais com formação semelhante.
— Mulher emprega mulheres dependendo da capacidade. Todas passam pelo mesmo crivo, análise de currículo e experiências. Se queremos igualdade, temos que ter igualdade de ambos os lados. O que nós verificamos em boletins especiais da mulher no mercado de trabalho é que a mulher entra com maior escolarização do que o homem na Serra — aponta.
Lodonha lembra que as oportunidades femininas no mercado formal ainda são recentes e que, historicamente, o ingresso das mulheres ocorreu em condições desiguais.
— As oportunidades para as mulheres iniciaram muito tardiamente por questões históricas do nosso país. É um caminho que ainda está sendo desbravado — finaliza.

