Entre os 14 e 16 anos, a maioria dos jovens ainda está tentando entender o próprio lugar no mundo. Na Terra do Galo, porém, uma nova turma do programa Menor Aprendiz mostra que a busca por autonomia e dignidade pode começar cedo.
As aulas começaram em junho, quando 25 adolescentes e jovens deram seu primeiro passo rumo à vida profissional. O que chama atenção é que 15 deles vieram por encaminhamento direto do Centro de Referência de Assistência Social (CRAS) e do Centro Especializado (CREAS), serviços que atuam com jovens em situação de vulnerabilidade social e violação de direitos.
O programa Menor Aprendiz, previsto na Lei da Aprendizagem (10.097/2000), oferece a jovens de 14 a 24 anos a chance de atuar com carteira assinada, salário compatível, carga horária reduzida e, principalmente, sem abrir mão da escola. A jornada é dividida entre cursos de formação teórica ministrados por instituições como SENAC e SENAI e atividades práticas dentro das empresas.
A novidade desta turma é que ela simboliza algo maior: não apenas uma inserção no mercado de trabalho, mas uma mudança de rota, onde jovens que enfrentam desafios sociais, emocionais e financeiros ganham espaço para construir outra realidade.
— A Prefeitura atua como ponto de referência: orienta, acompanha e motiva. Temos um canal aberto com as famílias e promovemos atividades de integração que fortalecem vínculos e trazem novas experiências para os jovens. O CRAS e o CREAS identificam e encaminham os jovens que necessitam e se interessam pela oportunidade — destaca Iara Barbosa, diretora de Desenvolvimento Econômico de Flores da Cunha.
A atuação da rede municipal vai além do encaminhamento. Há uma verdadeira articulação entre setores para garantir que o jovem seja acompanhado desde o primeiro contato com o programa até os primeiros salários.
— Com o Departamento do Trabalho, os jovens se cadastram no site “Flores Emprego”. O CRAS e o CREAS mantêm o controle dos interessados; e as empresas cotistas são sensibilizadas para buscar candidatos por lá. Quando aceitam abrir vagas, organizamos encontros de orientação, avaliamos os perfis e fazemos os direcionamentos — detalha Iara.
Dentro das empresas, o trabalho com os aprendizes também vai muito além de uma obrigação legal. Na Hidrover, por exemplo, o envolvimento começa desde o primeiro contato.
— O Programa é uma via de mão dupla. Para o jovem, é uma oportunidade real de entrar no mercado de trabalho, colocar em prática o que aprendeu e vivenciar de perto como funciona o mundo corporativo. Para a empresa, vai além de cumprir com uma função social, é preciso direcionar os jovens para o crescimento profissional unindo a teoria e a prática — explica Neiban Rech, do setor de Recursos Humanos da Hidrover.
— Aqui na empresa, o RH atua de forma muito próxima em todas as etapas do programa. Desde o processo seletivo, quando buscamos identificar jovens com potencial, curiosidade e vontade de aprender. Após a contratação, fazemos um acolhimento inicial, alinhamos as atividades práticas, que são acompanhadas por um profissional da área — complementa.
O diferencial da Terra do Galo, contudo, é o trabalho em rede, que envolve diferentes setores da Prefeitura, entidades formadoras, empresas e famílias. A aproximação entre essas frentes garante uma transição mais segura e assertiva para os adolescentes.
— A Prefeitura acompanha desde a preparação para a entrevista até a abertura da conta no banco para o recebimento do salário. É toda uma rede que se movimenta para estar próxima dos jovens neste momento importante — afirma a diretora de Desenvolvimento Econômico.
Esse movimento de apoio e estrutura resulta em algo que vai além do conhecimento técnico: gera pertencimento e desperta confiança.
— Também mantemos um canal aberto com a instituição onde esse jovem estuda e fazemos reuniões para acompanhar o desempenho, dar feedbacks e ajudar. É um trabalho de construção conjunta, e o RH tem um papel essencial nisso — reforça Neiban.
Com a parceria do Senac, foi possível iniciar a qualificação a partir dos 14 anos, ampliando o acesso dos jovens ao programa e à formação profissional desde cedo.
— O programa abre a porta do primeiro emprego, mas, acima de tudo, amplia os horizontes, elevando a autoestima, trazendo uma visão de futuro e colocando o jovem como protagonista da própria história. Eles aprendem uma profissão… aprendem disciplina, convivência, responsabilidade e confiança — diz Iara.
A participação de diferentes setores e instituições fortalece esse processo, garantindo que os jovens recebam o apoio necessário em todas as etapas para que possam se desenvolver e crescer profissionalmente.
— Já tivemos jovens que iniciaram como aprendizes e, ao final do contrato, foram efetivados em cargos administrativos. Isso mostra que o programa realmente funciona quando é bem acompanhado. Ver esse ciclo se completar é muito gratificante para nós — conclui Neiban.
“Me ajudou a começar nesse caminho”
Cada jovem chega ao programa Menor Aprendiz carregando expectativas, inseguranças e uma vontade genuína de construir o próprio futuro. Eles vêm de diferentes bairros, escolas e histórias, mas compartilham o mesmo ponto de partida: a oportunidade de trilhar um novo caminho com mais apoio, formação e esperança.
Marina dos Santos da Costa, 15 anos, é uma dessas jovens. Moradora do bairro Restinga, entrou no programa por meio do CRAS e estuda na Escola Estadual Frei Caneca.
— Foi muito bom entrar no programa, agora estou tendo a oportunidade de aprender coisas novas, de conhecer pessoas diferentes e ganhar uma experiência que vai me ajudar no futuro. Espero crescer tanto pessoalmente quanto profissionalmente e conquistar uma segurança maior para entrar no mercado de trabalho — conta.
A entrada no mercado, no entanto, ainda enfrenta barreiras. A idade, que em alguns casos é um diferencial para começar mais cedo, também pode ser um obstáculo para conseguir uma vaga.
— Para mim, a parte mais difícil (de ingressar no programa) foi achar algum lugar para trabalhar, porque a maioria só aceitava gente com 16 anos ou mais, nunca com 14. O programa Jovem Aprendiz é a partir dos 14, mas são poucos os lugares que querem alguém sem nenhuma experiência — revela a jovem que atua no Departamento do Trabalho da Prefeitura, mas que é contratada pela Argenta.
Mesmo com os desafios, Marina olha para frente com maturidade e vontade de crescer. Ela vê essa primeira porta aberta como uma chance de começar uma jornada com mais segurança e direção.
— Daqui a alguns anos eu me imagino trabalhando em algo que eu goste. Esse programa tem me ajudado porque está me dando uma base e me ajudando a começar nesse caminho do mercado de trabalho.
Assim como Marina, Yuri Daniel Kunzler, 16 anos, também encontrou no programa Menor Aprendiz uma possibilidade concreta de realizar sonhos. Cursando o 9º ano na escola Leonel de Moura Brizola, ele foi atrás da oportunidade por iniciativa própria e a ajuda de uma amiga.
— Entrei no programa através de um link que uma amiga me mandou. Eu espero conquistar o cargo de vender produtos ou fechar negócio com nossos clientes na Argenta — declara.
O desejo de Yuri não é apenas garantir um lugar no mercado, mas ocupar uma função com propósito, onde possa se desenvolver, lidar com clientes e gerar impacto positivo com o próprio trabalho.
Já Vitor Gabriel dos Santos de Mello, também de 15 anos, entrou no programa por meio do CRAS. O estudante da escola Leonel Brizola revela que, por vezes, os obstáculos não estão apenas na qualificação, mas nas condições para acessar uma oportunidade.
— Quando entrei já sabia um pouco o que ia ser, mas o Jovem Aprendiz me ajudou muito. A minha maior dificuldade foi realmente ir até o CRAS para me inscrever porque não tenho carro pra ir — conta o adolescente, que já vislumbra um futuro independente.
— Me imagino num escritório ganhando meu dinheiro para me sustentar e o Jovem Aprendiz está me ajudando com isso.