Em uma noite de tanta expectativa, uma das surpresas aguardadas é o troféu Amigo do Vinho. Nesta 11ª edição, o reconhecimento foi ao empresário Júlio Gilberto Fante, 68 anos, por seus 53 anos de dedicação à indústria vitivinícola, período em que, além de liderar uma das maiores fabricantes de bebidas do país, construiu um legado como articulador e voz do setor.
Júlio se esforçou para conter a emoção e admitiu surpresa com a homenagem. O diretor da Fante Bebidas destacou que ser o escolhido entre tantas pessoas que também eram merecedoras tornava a homenagem ainda mais especial.
— Eu não sabia. Vi que na sexta-feira o pessoal estava meio estranho, queriam garantir a minha presença. Eu disse que pretendia ir a São Paulo e o pessoal ficou meio assim… Na sexta-feira, vi o pessoal pegando ingressos e lembro que falei: “Mas por que tanta gente lá? O pessoal nunca foi de ir”. Quando cheguei lá, tinha uma mesa cheia de gente (amigos e familiares). Eu falei: “Mas isso está muito estranho”. Quando começaram a anunciar, ficou confirmado, né? Me pegaram de surpresa e fui lá falar sem preparar nada. Foi muito bacana, bastante gente me cumprimentando e reconhecendo — agradece.
Sua trajetória começou cedo. Ainda criança, Júlio ajudava o pai, João Fante, a colher uva e cuidar do parreiral da família. A vinícola ficava ao lado da casa, imóvel que segue até hoje na sede da Fante Bebidas.
— Já colhi mais de 60 safras. Porque a gente trabalhava desde cedo. Éramos nove irmãos e todos trabalhávamos. O pai foi sócio da cooperativa Santo Antônio e depois vendeu vinho a granel por alguns. Em 1970, começou a engarrafar, eu tinha 14 anos. Eu entreguei muito garrafão pela região — lembra.
A responsabilidade mudou quando Júlio começou a estudar Contabilidade em Caxias do Sul. Veio do pai, João, o incentivo para o quinto dos nove irmãos assumir a liderança dos negócios da família.
— O pai veio e disse: “Tu que vai ser guarda-livros, então tu cuida das coisas”. Aí fui ganhando espaço, fomos crescendo. Eu fazia de tudo, compra, venda, financeiro e viajava. Tive oportunidade de fazer outras coisas (fora da vinícola), mas nunca quis. A gente se apega à uva e vinho… Está no sangue, né? Fomos continuando o legado e assumindo responsabilidades no passar do tempo — recorda.
O ponto de virada foi a aquisição da Whiskeria Kunz, quando a Fante passa a investir em destilados e desenvolver seu alcance nacional.
— Foi um negócio de confiança. E muito oportuno. Foi como estar andando em uma bicicleta e pular em cima de uma moto a 100 por hora, entendeu? Foi tenso, mas a gente sabia o que estava fazendo e o potencial que tinha. O pessoal olhava o prédio e tal, mas nós não queríamos saber disso. A gente olhava as marcas e a posição de mercado.
Atualmente, a Fante Bebidas é composta por mais de 250 colaboradores diretos. Além disso, a empresa mantém parceria com mais de 400 famílias produtoras de uva da Serra.
— O vinho sempre teve. As outras (bebidas) vieram por uma questão estratégica, por oportunidade, por uma questão de mercado, de estruturação. Mas, o vinho sempre esteve na veia. A gente briga internamente, no bom sentido, para defender algumas coisas e o pessoal diz: “entendo, tu é apaixonado pelo vinho”. Não é só isso. É um prazer grande poder trabalhar. Desde sempre, desde pequeno, o cheiro do vinho, a lida com a uva, isso é uma coisa muito forte. Não tem como dissassociar da gente.
Entre aromas e sabores, o “cara dos números”
O troféu Amigo do Vinho é entregue desde 2013, com o objetivo de valorizar pessoas que impactam positivamente o mundo do vinho. O reconhecimento destaca a atuação de Júlio Fante à frente de entidades como Associação Gaúcha de Vinicultores (Agavi), Ibravin e Sindivinho como fundamental para lutar pela qualidade, valorizar o produtor e promover o reconhecimento do vinho brasileiro no mundo, tornando-o uma referência e um verdadeiro amigo da viticultura nacional.
Em uma terra que formou tantos produtores, sommerliers e enológos, Júlio se destacou por ser o “cara dos números” no meio do vinho. Fundador da Agavi, o florense participou de diversos grupos de trabalho e virou referência na parte tributária para o setor. Depois, também foi presidente do Ibravin e do Sindivinho.
— Agora. sou suspeito para falar, mas é legal essa homenagem (Amigo do Vinho). É o reconhecimento do trabalho. E, a gente sabe que trabalhou, correu, fez, virou, mexeu… Eu sempre digo que a gente fez isso por amor. Nunca ganhei um tostão para sair para as entidades para trabalhar. Muitas vezes, nas reuniões, a gente pegava um quadro para explicar custos, colocar preço e propor caminhos. Me coube esta parte, pela formação e por entender que esta é uma área que traz alguns passivos que comprometem a entidade. Então, sempre atuei internamente nesta revisão — recorda.
Ao olhar para trás, o homenageado divide os méritos. Seja nas entidades, nas lutas pelos setor ou na própria empresa em que é diretor, Júlio destaca que ninguém faz nada sozinho. Lição que começou em casa, na vinícola familiar.
— Sobre estas 60 safras… Eu tenho uma gratidão enorme, sabe? Pela oportunidade, a confiança, o apoio… A liderança precisa ter apoio e a minha família sempre foi muito boa, sempre me tiveram e me respeitaram. Todo mundo tem medos, dúvidas, angústias e momentos mais difíceis, mas, quando tem alguém que diz “Vamos que vamos!”, não tem quem segura. E conseguimos colocar isso numa empresa organizada. Quando se organizam empresas, se conquista confiança do grupo. Isso é fundamental. O meu pai sempre foi muito correto e deixou esta lição forte: “Faz direito, faz bons produtos e respeite todos, que é o melhor caminho” — salienta.

